Skip to main content

Meu conto de Natal

Horas no shopping na semana de Natal, detesto ir ao shopping na semana de Natal. Com um monte de sacolas, sentei no café enquanto meu marido foi enfrentar a imensa fila de cupons de troca de notas fiscais, mas antes,  me dei conta que não tinha nada para ler na bolsa. Sempre tenho, um livro, o Kindle, ou os dois. Resolvi comprar um livro, de  contos, porque não daria tempo de ler tanta coisa assim. Entrei na livraria, uma olhada rápida em algumas coletâneas e comprei. Simples assim, um livro novo porque não queria sentar em um café e suportar vinte minutos de tédio misturado com o cansaço da tarefa ingrata das compras junto aos que, eu e minha irmã, sempre chamávamos "os desesperados", essas pessoas que deixam as compras de Natal para a última hora. 

Sentei-me no Café, as sacolas em outra cadeira, pedi um chocolate quente daqueles que parecem um danete de tão grosso e um copo de água da casa, que a garçonete trouxe com a má vontade costumeira, comum a todos seus colegas desde que se implementou essa lei que obriga estabelecimentos a servir água potável gratuita no Distrito Federal. Trouxe a água, o chocolate e um biscoitinho, um wafer coberto de chocolate. Abri o livro e aos poucos fui sorvendo minha bebidinha, deixando para lá o stress, a lei da água potável e a garçonete. Fui entrando no livro, em outros mundos, outras vidas.

 Algumas páginas de leitura e me aparece um garoto dos seus dez anos, idade da minha filha, cabelo curto crespo, estranhamente amarelo, oxigenado, a pele marrom, uma camiseta maior que ele, velha e suja, o odor azedo de suor forte e antigo: "Tia, tem um trocado?" Surpreendeu-me aquele menino, naquele shopping, naquele café. Achei por bem falar com ele rápido, antes que alguém se desse conta e o expulsasse do Café. Não, eu não tinha um trocado, e ele, ou ela, porque bem poderia ser uma menina ao final, tinha me pegado de surpresa. Olhei para a mesa e ofereci rapidamente: "Não tenho trocado, mas tenho esse biscoito, quer?" "Quero!" Me deu um sorriso e me disse:"Obrigado, tia! Bom Natal!" "Para você também!", ainda respondi, e fiquei olhando aquela criança se afastar, maltrapilha, amarela e só, em meio a adultos cheios de sacolas e outras crianças gordas e rosadas. Não fiz mais nada, nada mesmo. Fiquei só ali, me sentindo longe e pequena, olhando a criança desaparecer na multidão. Fiquei ali, sentada, parada, e com uma imensa vontade de chorar.  


Comments

Popular posts from this blog

The kind of person who lights candles

  I am the kind of person who lights candles. This is now, not then. it is a recently acquired habit, one that has done me well. I light up candles every day. In the beginning of each class I set up an intention, I focus and I light the candle. I ask myself to be the light, to be the container, not the conduit. I am now the kind of person Who walks barefoot on the grass of my backyard and lets herself shower in the improbable rain of Brasilia in May.  The four elements rest now on my desk making my therapist smile when told about them, making her proud of myself and my journey. I am the kind of person that feels the connection with the elements, and nature and the universe, so new. I am again a newborn being. And it is not the first time, I have once died and it’s no secret. This time, however, I did not have to die. I had only to shed the old skin, the one who served me no more. I am still the kind of person who looks in the mirror and who wonders who this new being is. This new self

No espelho

  Olhei hoje para o espelho e me vi mais serena, me enxerguei com mais leveza. Não que esteja de fato mais leve, eu acho. Ou será que estou? Tenho ainda infinitas incertezas e dúvidas aos milhares, mas a imagem que me olhou de volta do espelho, não me olha com tristeza, dor pânico.     A imagem que vejo nesse espelho é de     calma, no olhar certa paz, talvez de se entender humana, imperfeita e aceitar essa condição.     Aqui, deste lado que estou, me observando no espelho, sinto ainda o coração encolher como se uma mão o quisesse esmagar. Encolhe-se para sobreviver e expande-se em seguida. Ao encolher-se, a respiração dá uma pausa e uma bolha de cristal sobe em refluxo, pausando ali no meio da goela. Assim que pode, o coração retorna a seu pulsar, seu ir e vir. Permanecem ali as dúvidas, as exigências, as demandas, mas também os desejos de só ser, irresponsavelmente ser e atender a cada quimera. Porque a vida é curta! A vida é sopro!    E o outro? Os outros? Todos os outros?  É precis

Sobre os artistas - Para Bruno Sandes

  Créditos da imagem: Jacobs School of Music Marketing and Publicity