Skip to main content

Algo que sei da Ditadura

Ano passado, contei uma história do meu tempo de escola para minha filha, uma agressão sofrida por mim e cometida por um colega. Uma agressão que ninguém testemunhou. Ela logo me perguntou: - Por que não foi na Coordenadora?  Não soube responder imediatamente. Fiquei pensando... 

Na escola das minhas filhas, a coordenação é um espaço aberto, as crianças entram em grupos ou sozinhas, questionam injustiças, demandam soluções.  Entendi, ali, mais um pouco de como o período da ditadura, que eu vivi como criança  e adolescente, influenciou minha formação. A escola não era, na Ditadura, um lugar  para pensar, era um lugar para se informar, talvez, mas não para pensar. Não era um lugar para questionar. A Ditadura não permite questionamentos.

A Coordenação, no tempo da ditadura, não era um espaço acolhedor para os alunos. Era um espaço de punição. Você era mandado à coordenação se cometessse algum delito. Se o delito fosse muito grave, seus pais também eram chamados. Expliquei para minha filha que no meu tempo a gente não tinha espaço para questionar coisas com a coordenação, e,  ainda bem, que ela achou aquilo tudo muito estranho! 

Olhando para trás, vejo que tive sorte de ter pais que me educaram para a crítica e o questionamento, que me incentivaram a conhecer História, a explorar a Literatura, indo além do oficial e recomendado. Ensinaram-me que é preciso ler nas entrelinhas, buscando não só o que está exposto, mas o avesso do bordado.  Percebo, no entanto,  que a escola da época, reflexo da opressão da ditadura, tolhiu muito do meu potencial criador. Aulas de artes, poucas, que indicavam como fazer, em que estilo pintar, escrita que seguia fórmulas, música e leituras limitadas, a impossibilidade do exercício criador... Tive que descobrir meu caminho só e apesar desse sistema que me formou. 

Meus pais fizeram muito para que eu pudesse viver criticamente, para que eu avançasse de modo independente. Dei sorte! Mas eles também foram limitados por esse período, em que viveram como jovens e como pais. Eles tiveram suas perdas, seus temores, suas vozes abafadas, suas liberdades cerceadas. 

Hoje, vejo que levei muito tempo para compreender e acreditar que criar era possível e que era um direito meu. Há poucos anos, consegui permitir que a minha criatividade alçasse vôos. Desejo vôos mais altos para minhas filhas e seus amigos e sei que a Ditadura não permite vôos. A Ditadura corta asas! Ditadura, nunca mais! 

Comments

Popular posts from this blog

The kind of person who lights candles

  I am the kind of person who lights candles. This is now, not then. it is a recently acquired habit, one that has done me well. I light up candles every day. In the beginning of each class I set up an intention, I focus and I light the candle. I ask myself to be the light, to be the container, not the conduit. I am now the kind of person Who walks barefoot on the grass of my backyard and lets herself shower in the improbable rain of Brasilia in May.  The four elements rest now on my desk making my therapist smile when told about them, making her proud of myself and my journey. I am the kind of person that feels the connection with the elements, and nature and the universe, so new. I am again a newborn being. And it is not the first time, I have once died and it’s no secret. This time, however, I did not have to die. I had only to shed the old skin, the one who served me no more. I am still the kind of person who looks in the mirror and who wonders who this new being is. This new self

No espelho

  Olhei hoje para o espelho e me vi mais serena, me enxerguei com mais leveza. Não que esteja de fato mais leve, eu acho. Ou será que estou? Tenho ainda infinitas incertezas e dúvidas aos milhares, mas a imagem que me olhou de volta do espelho, não me olha com tristeza, dor pânico.     A imagem que vejo nesse espelho é de     calma, no olhar certa paz, talvez de se entender humana, imperfeita e aceitar essa condição.     Aqui, deste lado que estou, me observando no espelho, sinto ainda o coração encolher como se uma mão o quisesse esmagar. Encolhe-se para sobreviver e expande-se em seguida. Ao encolher-se, a respiração dá uma pausa e uma bolha de cristal sobe em refluxo, pausando ali no meio da goela. Assim que pode, o coração retorna a seu pulsar, seu ir e vir. Permanecem ali as dúvidas, as exigências, as demandas, mas também os desejos de só ser, irresponsavelmente ser e atender a cada quimera. Porque a vida é curta! A vida é sopro!    E o outro? Os outros? Todos os outros?  É precis

Sobre os artistas - Para Bruno Sandes

  Créditos da imagem: Jacobs School of Music Marketing and Publicity